Abuso e exemplo
Qualquer pessoa que ocupe um cargo no serviço público, seja ele concursado, eleito ou comissionado, deveria sempre ter em mente duas coisas: primeiro, a quem ele serve (ou deveria servir); segundo, de onde vem o dinheiro que permite a existência e manutenção da função que ele exerce (ou deveria exercer).
Mas vivemos no Brasil, país em que, frequentemente, os cidadãos comuns escutam a ameaçadora pergunta: “Você sabe com quem está falando?”. Elaborando uma explicação para este traço que considera típico da nossa cultura, o antropólogo e colunista do Estadão, Roberto DaMatta, diz o seguinte: quem faz essa pergunta se sente uma pessoa, ou seja, um alguém titular de direito, um alguém que se insere num contexto social. Mas essa pessoa que faz essa pergunta enxerga no outro, para quem ela dirige o arrogante questionamento, apenas um indivíduo, “mais um na multidão”, “um número”.
No Brasil, não raro, aquele que ocupa uma função que deveria ser exemplo de retidão e honestidade no uso de suas atribuições, acaba sendo, bem ao contrário, um exemplo de desvirtuamento, justamente pelo abuso de suas funções. E o jornal Primeira Página flagrou ontem alguns vários exemplos de funcionários públicos usando e abusando das suas funções.
Fotos (ver matéria na página A8) revelam vários agentes de trânsito –os famosos amarelinhos – estacionando em locais proibidos pela legislação. E detalhe: o local em que estacionaram era um supermercado, e esses agentes flagrados, com a motocicleta oficial estacionada em local proibido, desciam de seus veículos, entravam no estabelecimento e saiam de lá com sacolas de compras na mão.
Trocando em miúdos: com o combustível e com os veículos pagos com nossos impostos, esses servidores foram (e sabe-se lá com que frequência costumam ir) ao supermercado fazer compras pessoais.
Embora nenhum desses agentes tenha articulado a pergunta “Você sabe com quem está falando?”, a ação deles ao ignorar a sinalização de trânsito sugere que esta é a pergunta que ecoa em suas decisões de ignorar a lei; lei que, supõem-se, eles não devem ignorar. Afinal, eles a aplicam em vasta quantidade, basta verificar o número de multas que se aplica na cidade.
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